Entrevista
Jornal HOJE EM DIA |
Erick, primeiro gostaria que vc falasse sobre sua experiência
profissional e como tem sido sua atuação na área de informática nos últimos 12
anos.
Faça uma breve avaliação pessoal das mudanças que ocorreram neste
período culminando nesta 'mesclagem' da Internet com o Direito. Por favor, diga
também sua idade.
Erick Nilson Souto, 36
Prezada Nalu,
Quanto à experiência profissional estou enviando meu currículo resumido
anexo, está incompleto porque estou refazendo-o, mas tem muita informação.
As mudanças na área evidentemente são enormes. Para se ter uma idéia,
quando comecei, vendi uma motocicleta muito nova para comprar um computador
Digitus DGT-100. Esta máquina era um computador de 8 bits, sem disco flexível,
e 16 Kb de RAM. A gravação dos programas era feita em fitas cassete,
conectava-se o gravador na CPU do computador e apertava o "REC". Não
precisa nem falar que era de péssima qualidade, cheio de erros.
Em 1986/87 a IBM estava assinando o primeiro contrato com o Bill Gates
para produção do avô do windows, o DOS, que iria gerenciar os tão cobiçados
PC's de 16 bits. Ter acesso a um deles já era um privilégio, os jornais
começavam a cobrir a importação de alguns deles na época.
O aprendizado também era um "deus nos acudam". Os únicos
materiais técnicos disponíveis eram os manuais, e mesmo assim em inglês.
Imagina um cego ensinando outro a andar, era o caos.
A realidade atual vc já conhece, escolas e mais escolas, computadores
vendidos em super mercado, etc...
1 - Vc fala sobre a impunidade de vários crimes digitais graças à falta
de uma legislação específica. Vc acha que o Brasil está muito devagar na
criação de novas leis ou adaptação da legislação vigente aos novos tempos
digitais?
A tarefa do legislador é interpretar os anceios da sociedade. Talvez, a
sociedade brasileira tenha coisas mais
importantes para se preocupar no momento. De qualquer maneira já existe a lei
de proteção da propriedade intelectual do software, que é a base para o
crescimento industrial do país, e objeto de inumeras ações judiciais. Além de
muitos projeto em andamento no Congresso Nacional e constantes discussões a
respeito dos vários aspectos referentes
à matéria. Eu mesmo estive a poucos dias a um seminário em Brasília, onde
orgãos governamentais e iniciativa privada estavam discutindo "comércio
eletrônico e Tributação" com gente do mundo inteiro.
Por que os profissionais de informática e advogados não se unem para
agilizar a criação de leis voltadas para este fim?
Acredito que por causa da natureza das duas ciências. Um Advogado não
tem formação exata e um engenheiro de sistemas não consegue ser subjetivo, logo
as coisas que cada um busca são diametralmente opostas.
2 - Em sua experiência com informática, quais foram os crimes digitais de
maior incidência?
Cansei de ter "auxiliares" que tinham a impressão de que com
os fontes dos meus sistemas podiam ter algo parecido com uma empresa de
informática.
Quase sempre eles ficam algum tempo, vêm os valores recebidos, esquecem
as despesas geradas, inclusive com seus salários, e se demitem. Logo após estão
oferecendo os mesmos serviços. Mas obviamente acabam por encerrar as atividades
diante das dificuldades técnicas e empresarias.
O grande problema é que uma empresa é feita de pessoas e conhecimento
gerencial, não se cria a estrutura de um dia para o outro. Abri minha firma em
28 de Fevereiro de 1986, dia do lançamento do plano cruzado, passei por todos
os planos econômicos depois disto e continuo aprendendo. Considero minhas
atividades empresariais de grande ousadia, estou sempre na frente, mas mesmo
assim não consigo acompanhar as mudanças diárias.
3 - É verdade que o perigo normalmente está dentro da empresa, ou seja,
ex-funcionários são os principais causadores de danos aos sistemas?
Pode crer, infelizmente a natureza humana é imperfeita. Esta imperfeição
trás tudo de ruim que suas ações podem gerar. O fato da demissão do funcionário
já é indicativo de problemas com o mesmo. Logo a partir deste momento, ele
passa a ficar sob suspeita. Ao tomar a decisão de demiti-lo, o melhor remédio é
pagar a ele o aviso prévio e bloquear seu acesso aos computadores, caso ele
seja da equipe técnica responsável pelos dados mais preciosos da empresa.
Um bom profissional de informática, de boa formação acadêmica superior,
de boa índole, concorre com gente que aprendeu sem método, sem sistemática, e
por causa disto de baixa expectativa salarial. Com estes
"profissionais" sem os requisitos necessários, a porta da ilicitude
fica aberta.
4 - Quais são as principais medidas de prevenção no caso de ataques que
partem de ex-funcionários?
A principal medida é a CONFIANÇA. Se seu funcionário não merece sua
confiança, olha seus negócios com ciúme, não valoriza seu empenho em criar algo
positivo,simplesmente nem passe do período de experiência. Não vale a pena,
repito, uma empresa é feita de gente, de gente que torce por ela.
5 - A invasão de sistemas é muito usada para espionagem ou isso é coisa
de filmes?
Não é coisa de filme não, existe mesmo. E tende a aumentar. Quanto você
acha que vale o winchester de um grande executivo? E o lap top de um alto
funcionário do Exercito responsável por compras militares?
6 - Conseguir proteção para a maioria dos crimes digitais implica em
investimentos altos?
Sim, é uma briga de gato e rato. É o supra sumo do domínio cerebral, da
demonstração de conhecimento. O Craker(o lado negro da força :) ) em geral
domina o conhecimento, e é compelido à notoriedade, logo ele tem de penetrar o
sistema para expor-se e conseguir a notoriedade. Ele é o pichador eletrônico.
Para evitar estes transtornos, a empresa acaba tendo de investir em segurança,
montar equipe de auditoria, etc....
7 - Os investimentos mínimos normalmente estão dentro das possibilidades
das pequenas e médias empresas ou não?
Acredito que se souberem gastar,todas elas podem se informatizar. O
maior problema é que a informatização passa pela aceitação da
"novidade" pelos recursos humanos que terão suas rotinas afetadas.
Sem eles não adianta nem gastar. A cultura de informática tem de ser absorvida
antes do investimento em hardware.
8 - Há linhas de crédito que apoiam investimentos em segurança ou,
normalmente, as financeiras ainda apostam em ampliação de hardware e softwares?
Não conheço nenhuma, mas aprendi ao longo dos tempos que a maior
segurança é não recorrer à linhas de créditos. :)
9 - Quando um caso de crime digital chega à justiça, quais são os
maiores obstáculos enfrentados pela empresa vítima? E quais são as maiores
dificuldades encontradas por um advogado da área para fazer valer os direitos
do seu cliente?
A falta de legislação impede a tipificação de alguns deles, logo se eles
não estão descritos nas normas penais, não são crimes. Por exemplo, todos os
crimes previstos na lei de imprensa valem para a INTERNET, pois esta também é
um meio de comunicação. Atos de difamação, calúnia, etc.. são passíveis de
condenação em meio magnético, mas a grande dificuldade é PROVAR. Eu poderia
escrever uma monte de coisa neste e-mail que vc teria dificuldade de provar que
fui eu mesmo que o escrevi. Se quisesse enviava via provedor grátis e em um
telefone público e pronto. Como provar que fui eu que respondi esta matéria?
10 - Quando um hacker ou criminoso digital é processado ou apontado como
suspeito consegue muitas brechas para escapar das punições. Cite algumas delas.
A maior brecha é a obtenção de provas.
11 - O código Civil e Criminal têm sido usados para garantir os direitos
das vítimas de crimes digitais. As punições previstas nessas leis são
condizentes com o tamanho do prejuízo (material ou moral) das vítimas?
Pelo que me consta a maioria das ações nesta área têm se dado por causa
da Lei 9.609/98, que trata da proteção intectual de programas de computador e
sua comercialização. Que é a base das ações da empresas de software contra
"piratas".
12 - No Brasil há algum caso de condenação seguida de cadeia e ou
indenização para algum hacker?
Não tenho conhecimento de nenhum caso transitado em julgado, ou seja,
não passível de recursos.
13 - Os advogados estão preparados para trabalharem em conjunto com os
especialistas em informática em casos de crimes digitais? Ainda não existe
muita restrição no mundo da advocacia a essa co-atuação?
Sem chance, apenas alguns poucos advogados têm algum conhecimento da
complexa área da computação. Por outro lado, os engenheiros de sistemas, são
técnicos demais para compreender as nuances da subjetividade jurídica. Como
conciliar estas duas ciências tão antagônicas. Os interesses são divergentes e
na maioria das vezes as línguas faladas não são as mesmas.
Mas esta interação vai acabar acontecendo ao longo do tempo, por
necessidades práticas ou por iniciativas iguais à minha, que procurando
conhecer as duas áreas, exatas e humanas, acabo por "traduzir" uma
para a outra.
Outra questão é relativa aos magistrados, que em sua maioria tem pouca
familiaridade com o mundo dos softwares e hardwares e fatalmente terão que
recorrer aos conhecimentos técnicos de computação para prestar sua tutela
jurisdicional. Esta busca do conhecimento também vai fazer com que as áreas se
ajudem mutuamente.
Quanto à "restrição no mundo da advocacia a essa co-atuação",
não posso responder pelos outros. No meu caso específico o Kênio, não
apresentou resistência nenhuma à minha ajuda, pelo contrário, ele sabe da
importância e alcance da informática no mundo moderno e vem fazendo tudo para
esta interação.
Bem Erick, são essas as dúvidas. Como não estamos conversando
pessoalmente, podem surgir algumas colocações que vc julgar pertinentes para
essa entrevista e sobre as quais eu não tenha perguntado. Sinta-se à vontade
para fazê-las e trataremos de inseri-las,
* Bacharel em Ciências
da Computação pela PUC Minas e Diretor da Falke Informática Ltda. |
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